o rebelde desconhecido

Isto de tentar escrever coisas engraçadas num blog tem a desvantagem de tornar as coisas difíceis, quando me apetece falar em algo mais sério. Assim, aproveitando o uso de um blog para fazer qualquer coisa de jeito e enquanto a queima não chega, significando que alguns neurónios ainda sobrevivem, vou-vos falar numa personagem heróica que eu admiro muito.

O nome dele será Wang Wei Lin. Claro que ninguém sabe quem ele é ...na realidade Wang Wei Lin nem será o nome dele, mas a verdade é que isso é irrelevante pois o mundo sempre o recordará por outro nome. O homem do tanque.

A demonstração que redundou no massacre de Tiannamen, começou em 17 de Abril de 1989 não com uma revolta como a maioria pensa, mas com a demonstração de agradecimento na praça de Tiannamen a um raro líder do partido chinês que era visto como um símbolo de mudanças políticas e anti-corrupção e que tinha falecido poucos dias antes.
Poucos dias depois a demonstração contava com mais de 100.000 estudantes, organizavam-se petições para reformas políticas e alguns milhares faziam mesmo greve de fome. As imagens começam a passar e o Governo chinês começa a temer uma escalada nas manifestações. Uma pequena manifestação tinha-se tornado uma exigência de mudanças face ao regime totalitarista onde viviam.
Em Abril fazem-se as ultimas tentativas para a dispersão da multidão, pelas autoridades. O exército entra em Pequim em Maio e em 3 de Junho começa o assalto. Nunca se saberão quanto mortos houve nesses 2 dias, tanto de estudantes executados como dos familiares que tentaram furar a barricada para tentar fazer qualquer coisa perante o que se passava. O número divulgado por fontes não governamentais nesses 2 dias foi de 2600 mortos, os enfermeiros e voluntários da cruz vermelha que tentavam ajudar os caídos, também se encontravam neste número, assim como vários soldados. As estatísticas do governo chines apontaram para 241 mortos e 7000 feridos, mais tarde negaram ter sequer havido qualquer morte.

A meio da tarde do dia 5 de Junho de 1989, o mundo assiste ao momento mais famoso de toda a situação. A revolta já tinha sido completamente aniquilada e uma coluna de 17 tanques marcha pela praça agora totalmente deserta. Um homem completamente sózinho, carregando aquilo que parecem ser sacos de compras em cada mão, faz frente aos tanques e impede o seu avanço. O jornalista que tira a foto a mais de 1km, mais tarde confessa que pensou que o homem seria esmagado a qualquer momento. Os tanques avançam, lentamente e ele continua parado, num acto de ousadia que capturou a imaginação de milhões pelo mundo fora.
O tanque pára, tenta contorná-lo pela direita, pela esquerda e o homem coloca-se sempre à frente, fazendo sinais para o tanque se retirar dali. Aquilo que o mundo vê desses instantes fica para a história. No meio de todo o caos, corpos caídos e veículos incendiados, um desconhecido numa rua deserta, que decide bloquear a passagem aos tanques.
Ele não tenta ser um herói, ele não sabe sequer que está a ser filmado e a sua aparência mostra que provavelmente nem fazia parte dos manifestantes. Com toda a probabilidade, era apenas um gajo que regressava a casa depois de ter feito as compras na mercearia ou após mais um dia de trabalho. Um zé-ninguém totalmente sózinho, a fazer face a toda a força, opressão e poderio militar imaginável, sem se encolher nem recuar.
Continuou assim durante vários minutos, chegou mesmo a subir ao tanque e gritou qualquer coisa como "sai da minha cidade, vocês estão a destruír tudo". Pouco tempo depois ele é levado dali por um grupo de pessoas, provavelmente apenas com a intenção de tirá-lo para segurança. Quem era e o que lhe acontece a seguir a isto, é um mistério (há relatos de que é executado de seguida ou 14 dias depois .. e outros dizem que conseguiu fugir).
As filmagens correram mundo, muitos anos antes da internet, o "rebelde desconhecido" foi considerado pela revista Time uma das 100 pessoas mais influentes do séc.XX, mesmo quem não faz ideia do que aconteceu em tiannamen ou quem foi Mao Zedong percebe o significado daquela foto, que alguns jornais entitularam de "filmagem digna de uma cápsula do tempo".
Mas há 2 herois nesta fotografia, o homem do tanque e o condutor do tanque que ignora as ordens de seguir em frente. Claro que este ficará sempre na obscuridade. Pena.

Decerto que alguns meses depois já ninguém se lembrava do massacre de tiannamen, e o homem que ordenou o início do assalto é hoje o presidente daquele país, o assunto de tiannamen é tabu, a existência do homem do tanque é negada na China, e o google, o yahoo, etc. cederam a pressões do governo chinês para auto-censurar os resultados de buscas relativamente a esse assunto a partir de servidores chineses de modo a conseguirem entrar facilmente no mercado chinês, ... mas acho que passarão imensos anos, para se esquecer o homem que ninguém soube quem era e que provavelmente nem defendia nenhuma ideologia, que naquele momento se colocou na frente de uma coluna de tanques, provavelmente nunca chegando a saber o impacto que teve pelo mundo fora.